No começo do ano, comecei a procurar textos que pudesse montar em Direção V. Fiz uma busca por livrarias, bibliotecas, sebos e na estante da minha casa. Dentre vários livros que havia comprado, estava o Teatro II, de Harold Pinter, uma edição portuguesa. Fiquei indecisa entre duas peças - a outra era Victoria Station - e decidi por escolher a que julgava mais difícil, Cinza às Cinzas, por se tratar de uma peça em que o foco do diretor deve estar o tempo todo nos atores. Somente os atores podem contar esta história, sendo qualquer elemento que não os corpos deles demasiado na narração.
Comecei a adaptar o texto para o Português do Brasil em março. Com o início das aulas, deixei este trabalho um pouco de lado, porque era muito trabalhoso e também porque queria estudar um pouco mais sobre o autor, a fim de que a adaptação não fugisse à lógica proposta por ele.
Nesse meio tempo, cogitei a hipótese de montar uma peça escrita por um amigo meu, muito talentoso. Chegamos à conclusão de que o tempo não permitira uma produção de qualidade e decidi então continuar com Pinter. Também nessa época comecei a achar que talvez essa peça fosse muita areia para o meu caminhão. Mas ouvi do Zé que até era, mas eu poderia carregar aos poucos, em diversas viagens.
Pronto!
Em junho retornei ao trabalho "braçal" e, terminado, comecei a pensar no projeto que atendesse às exigências dos orientadores e às minhas. Foi aí que comecei a conseguir verbalizar o porquê da minha escolha e explicar melhor a peça a quem perguntasse.
Quero montar
Cinza às Cinzas porque é importante mostrar às pessoas que a violência velada é a pior forma de violência do mundo, porque faz a vítima acreditar que está tudo bem que nunca sofreu nada, que é amado e cuidado por quem, na verdade, é o seu maior algoz. Lógico que falo de questões políticas,
Cinza é uma peça política. Alguém duvidaria de que Devlin é uma super potência e Rebecca um país subdesenvolvido? Se levarmos a peça para uma das inúmeras temáticas que se pode extrair dela, somente uma delas...
Mas
Cinza também fala de uma relação na qual os papéis de dominante e dominado são alternados. Não há como afirmar com toda certeza que Devlin é cruel e Rebecca coitada. Há alguma coisa nessa peça que transborda a encenação e é completada de acordo com a história de vida de cada pessoa que a ela assiste. Fico sim imaginando a reação do público ao término dela. Acho que a peça causa descorforto, estranhamento e, ao mesmo tempo, é tudo tão próximo do que vivemos.
O que é o bem e quem é bom? A maldade é um vício ou uma estratégia de sobrevivência? Não, isso não está no texto, está além dele.
Aplausos? Até gostaria, mas prefiro que a peça suscite discussões e conflitos nas cabeças do espectadores durante, no mínimo, algumas semanas.